não conseguiu dormir, ficou esperando a oportunidade certa. e então, quando todos se ocupavam em manter o próprio mundo a salvo, ela aproveitou para voar: a bolsa cheia de meias e calcinhas, a mochila fulera com as roupas mais inteiras e, nas mãos, um ursinho de pelúcia que tinha ganho da sua mais nova ex.

sair de casa foi fácil, porém não da forma que a moça esperava: pela porta dos fundos, se esguiou  até o portão, pulou pra fora e correu, correu, correu. um amigo ia passar pra dar uma carona na praça ali perto, esperou. aproveitou para ver os danos: aranhões nos braços, hematomas. chorou, chorou. afinal, tudo isso já era sabido que ia acontecer, mais cedo ou mais tarde. porém não precisava acontecer assim, ela não precisava ter que FUGIR desse jeito. 

a carona chegou, foram pra casa do cara, amigo antigo, que tinha acabado de casar. lá, caiu na realidade: sem um real no bolso, sem família, sem emprego, sem a namorada, com uma faculdade pra encara e ainda sem nenhum trabalho remunerado. foi lá que conseguiu erguer a cabeça e pensar "puta merda, agora é só comigo mesmo, fodeu." mas ela tinha amigos e, de verdade mesmo? amigos são tudo. 

e então, na casa desse amigo, com a mulher dele (que é mais nova que a própria moça, que ainda é nova), que recebeu as primeiras gotas de ânimo. recebeu um abraço quando chorava, recebeu almoço, recebeu moradia temporariamente. enfim, vamos a luta: no mesmo dia, mais tarde, prendeu o cabelo orgulhosamente bem alto, para que as pessoas mesmo vissem seu rosto, vestiu uma máscara de indiferença para evitar questionamentos desnecessários, colocou uma de suas roupas mais adequadas e... foi na feira.

procurar um frilas, logicamente. nessa altura dos acontecimentos, a pior coisa que poderia fazer é procurar divertimento. conseguiu, lavou louça a noite inteira e ganhou míseros 25 reais. já é um começo, já dá para pagar almoço durante uma semana. dá pra procurar emprego, imprimir currículos, algo assim. já é mais do que não ter nada.