Rodo cotidiano

15:24

Tive uma aula de humanização hoje a tarde. 


Estava em um ônibus indo para a faculdade, devidamente sentada, reclamando da chuva que "veio para atrasar meu tempo já contado de chegar na UFMS". Por conta dela, peguei um ônibus que para na frente de casa, com intuito de dar a volta no shopping e descer para o morenão (quem é de CG entende) e nem sabia que o 061 dava tantas voltas antes de chegar no terminal. Enfim, estava ali, reclamando da minha vidinha corrida, sem tempo até pra tomar uma ducha antes de sair de casa, escutando música e me preparando para ler uma revista qualquer, velhas companheiras de longas distâncias. 


O banco do meu lado estava vazio, e uma senhora veio sentar ali. Escutando música, não reparei de primeira o que aconteceu. Só sei que a mulher começou a gritar, chorando, com uma dor terrível que a deixou quase convulsionando (essa palavra existe?), logo ali, do meu lado. Não sabia o que tinha acontecido, mas de pronto um senhor veio, pegou as sacolas que ela carregava para por ao lado, enquanto outro pegou seus cadernos e ajudou a sentar. Tentei ajudar também, colocando sua bolsa no meu colo. E, por último, um guri, talvez mais novo que eu, veio socorre-la com um pouco de seu conhecimento adquirido em um curso de primeiros socorros. "Vou tentar medicina no final do ano", me falou depois.
 

Ele apontou o joelho da senhora, quando viu que eu nada entendia do que estava ocorrendo: a articulação tinha dado uma volta de, no mínimo, 90° para a direita, como vemos em lutas de vale tudo e jogos de futebol. Não sei como ela conseguiu fazer aquilo tudo só tentando sentar em um banco, mas senti a dor em mim. Tentamos acudi-la, acalmando e mantendo-a consciente, mesmo sem muitos resultados. Nisso, liguei para o SAMU, o motorista para o corpo de bombeiros... E nada de uma ambulância chegar. O guri, futuro-estudante-de-medicina-se-tudo-der-certo, imobilizou a senhora, enquanto uma outra mulher e eu ficamos ali, conversando com ela.

Logo depois chegou outro  ônibus para levar quem estava dentro deste, já que tivemos que parar no meio do trajeto por conta da passageira ferida. Nada de ambulância mesmo 15 minutos depois e, indigne-se, estávamos na frente da prefeitura, na avenida mais movimentada da cidade - ou seja, nada explica tanta demora. 


Depois de desejar melhoras para a senhora machucada, tivemos (o guri, a outra mulher e eu) de deixar o veículo para, finalmente, seguir nosso trajeto em outra condução. Nisso, como de praxe das viações que muito respeitam seus clientes, as pessoas de dois ônibus (o parado em que estava e o que veio depois) tiveram que se acotovelar em um só: muito suor, cheiro de pessoas molhadas de chuva e as janelas fechadas, vestígios das pessoas que "se esquecem" de reabri-las quando a garoa passa.


 Quando era mais nova, costumava brincar/falar que "abriram as portas do asilo" quando entrava em um ônibus com muitos idosos (sim hoje eu sei que esse tipo de "brincadeira" é preconceito, chamado gerontofobia). Depois, adolescente, aprendi a ceder o banco quando estava sentada para eles, por gentileza e respeito. O 2º ônibus estava lo-ta-do, com muitos deles, e não preciso dizer (mas vou) que a maioria dos idosos estava em pé, enquanto muitos jovens sentados fingiam não os ver - ou dormir. 


Depois de passar por tudo isso que fui descobri estar em um ônibus que simplesmente dá varias voltas pra direção contrária do meu rumo e,  cansada, suada e fedendo, decidi que a aula de hoje teria que ficar para outro dia. Desci no próximo ponto, o que, coincidentemente, era bem próximo do ponto em que subi no ônibus uma hora antes, e me inspirei para escrever agora estes momentos que passei, mas não porque achei interessante para escrever. Se lembra que disse ter tido uma aula de humanização? Na verdade, 'menti'. Não foi uma aula de atitudes humanas, e sim de como desrespeitar o próximo. 


Explico:


- No primeiro ônibus, enquanto a senhora com o joelho deslocado guinchava de dor e se afogava em lágrimas, -tirando a outra mulher, o guri e eu - ninguém mais se importou, motorista incluso. Ninguém mais perguntou se ela precisava de ajuda, e sim fizeram o "contrário": reclamaram de o ônibus ter que parar, reclamaram dos próprios atrasos, falaram mal da pobre coitada com o joelho fodido. 


- No segundo ônibus, só para dar um exemplo, um senhor de muletas se equilibrava em meio a multidão. Em determinada curva, sua muleta caiu no meu calcanhar e, de tão cheio que estava o ônibus, não consegui nem abaixar para ajudá-lo a erguê-la, outro rapaz que o fez. Uma senhora idosa teve que se segurar em mim para não cair quando o veículo acelerou, e várias outras se encontravam na mesma situação. 


Se eu já estava indignada pelo descaso dos outros seres humanos (os ditos racionais e possuidores do tal polegar separado que os fazem dignos de ser o centro, o pico do antropocentrismo) com a senhora machucada do primeiro ônibus que entrei, o segundo ônibus, com essa mistura de lotação E descaso, me enraiveci em dobro. A vontade que tive não  era de faltar apenas a faculdade, mas sim faltar ao resto da humanidade, parar de viver em sociedade para não ter que passar por isso de novo. COMO os outros podem ser tão apáticos? Como a dor do próximo, o a deficiência do próximo, ou até a idade do próximo pode ainda nos deixar indiferentes? 


Parem tudo, eu quero descer. Me nego a aceitar que não existe uma migalha de bondade nas pessoas ao redor. Um pouco de empatia ou seja lá qual for o nome desse sentimento que me aflora no menor contato que tenho com outros seres vivos. Repito: seres vivos, e não apenas humanos. Me recuso a acreditar que vamos continuar tolerantes ao sofrimento alheio, apenas porque nós estamos bem e é só isso que interessa. Por que nossos filhos estão bem, porque nossos amados estão bem, e "não" temos o dever de ajudar quem está na pior, afinal, eles "não correram atrás de serem melhores na vida" e argumentos do gênero. 



EU não vou ser só isso. E, se você ai também quer ser mais, me ajude. Me ajude naquela senhora ferida dentro de um ônibus. Se não souber como ajudar, tente acalmá-la, já é uma mão na roda. Me ajude no idoso de muletas sem um banco para se apoiar melhor. Me ajude nas ONGs que tanto precisam de nossa colaboração. Ame seus próximos, faça a diferença. 

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